Karen Blixen

A África em palavras

Escritora genial. Contadora de estórias. Criadora de sonhos. Personalidade indomável. Assim é Karen Blixen, a dinamarquesa africana. A sua obra, redigida numa fase tardia da vida, espelha uma colossal experiência. A maturidade aperfeiçoa-lhe o estilo. Revela o seu esplendor.

O olhar inteligente e místico cativa-nos. Estamos em Rungstedlund, Dinamarca, numa das salas luminosas do Museu Karen Blixen. Na casa que vê nascer e morrer uma das maiores escritoras de sempre. O fascinante homem do retrato chama-se Wihelm Dinesen e é pai de Karen Blixen. Nobre, distinto e grande amante da natureza, transforma-se num herói para a pequena Karen. Wihlem morre quando ela tem apenas dez anos. Uma ferida aloja-se na sua alma sensível. Mas as asas do tempo não se compadecem de tristezas. Asas – símbolo indissociável da infância e juventude de Karen Blixen. Espírito irrequieto, sente-se presa na rotina do quotidiano. Deseja alhear-se da realidade. Andar à boleia das asas. Publica as primeiras estórias com apenas 22 anos. Contudo, a falta de entusiasmo por parte da crítica dinamarquesa desilude-a. Zangada com a literatura, refugia-se na pintura. São precisos 27 anos de sofrimento e alegria para alcançar o merecido sucesso literário. Felizmente para a Dinamarca, Portugal, o mundo inteiro.

A visita ao museu prossegue. Fascinados, descobrimos novas surpresas: Quadros assinados pela própria Blixen, um baú castanho lindamente trabalhado, diversas lanças. A presença de África espreita em cada canto. Não é de estranhar. Tal como em muitos de nós portugueses, o feitiço do velho continente nunca se desfaz para Blixen.

Conforme descreve em “África Minha”, é no Quénia que a sua vida adquire uma nova dimensão. Casa-se com o barão sueco Bror von Blixen-Finecke. Compra uma fazenda perto de Nairobi. Estabelece uma plantação de café. Encontra culturas exóticas. Descobre uma grande paixão, o inglês Denys Finch Hatton. Saboreia as noites africanas. Experimenta os safaris. É contaminada pela sífilis. Divorcia-se. Assiste à falência da plantação de café. À morte trágica de Finch Hatton num acidente de avião em 1931. Fica arruinada. Vende a fazenda. E regressa a Rungestedlund, Dinamarca.

Para muitos, o princípio do fim. Mas a fisicamente frágil Karen Blixen é audaz como um leão. Uma filha do Destino, no qual acredita sem reservas. Para esquecer a amargura, refugia-se na escrita. O seu primeiro livro, ”Sete Histórias Góticas”, é escrito em inglês e surge pela primeira vez nos Estados Unidos em 1934. A utilização do pseudónimo Isak Dinesen (Isak significa “aquele que ri” em hebraico) é para muitos críticos literários um refinado exemplo de ironia. Contudo, com Karen Blixen nem tudo o que parece é. O seu mundo excênctrico torna-se belo exactamente por isso. Como ela própria escreveu: “É através da tua máscara e não do teu rosto que te conhecerei”.

Criadora de sonhos

Inspirados por estas memórias, contemplamos a sua velha máquina de escrever. Foi-lhe fiel durante toda a vida. Não é difícil imaginar Blixen a escrever freneticamente. Esquece o almoço, o lanche, o jantar. Diversos livros conhecem a luz do dia: “Contos de Inverno” (1942); “Anedotas do Destino” (1960); “A festa de Babette” (publicado em inglês em 1950). Entre outros. Genial, a obra de Blixen é uma exaltação ao paradoxo: A viagem e a estagnação; o sobrenatural e o terreno; a vida e a morte; o divino e o humano. Apesar de ter sido duas vezes nomeada para o Nobel da Literatura, nunca chegou a vencer o famoso prémio.

Guiados por um sopro inspirador, subimos até ao último piso do edifício. Na mesa, estão pousados uns auriculares. Através deles escutamos a voz singular de Karen Blixen. A escritora torna-se repentinamente em contadora de estórias. A nossa realidade evapora-se. Assume contornos de magia. Os sonhos falam mais alto.

Enquanto saboreamos um bolo no acolhedor café do museu, relembramos alguns episódios da sua vida. E o final. Debilitada por uma úlcera, Blixen morre aos 77 anos. Pesava apenas 35 quilos. O museu Karen Blixen abriu as suas portas em 1991. Desde esse momento, inúmeros visitantes têm feito desta a sua casa. Um privilégio indiscutível.

São 15:30. O edifício encerra daqui a meia-hora. Tempo suficiente para um curto passeio pelos jardins. Pela ponte encantadora. Pelo lago. Finalmente, o túmulo modesto. Karen Blixen afirmou uma vez: “A tarefa do ser humano na vida é dar uma resposta”. Blixen não deu uma, mas muitas respostas. Como pintora. Como escritora. Como contadora de estórias. Como criadora de sonhos. E como ser humano. Mágico, sublime, deslumbrante. Único.

 

Ana Bernardo